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06/06/2025 13h09 – Atualizado há 4 horas
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Foto: Rodrigo Pinheiro /Agência Pará
Andar pelas ruas de uma cidade como Belém, ocupar praças, cruzar mercados ou simplesmente existir em espaços públicos pode parecer uma ação cotidiana para a maioria das pessoas. No entanto, para pessoas trans e travestis, sobretudo negras, essa simples circulação urbana pode ser uma experiência marcada pelo medo, rejeição e olhares de julgamento. É o que revela a dissertação “Olhares da/na ci(s)dade: transexualidades/travestilidades, raça e práticas nos espaços citadinos de Belém – ‘em plena luz do dia’”, desenvolvida pelo antropólogo Gleidson Gomes, na Universidade Federal do Pará (UFPA).
Fruto do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA/IFCH), a pesquisa investiga como pessoas trans e travestis vivenciam a cidade de Belém e como suas trajetórias são atravessadas por violências simbólicas e estruturais. O trabalho foi motivado após o autor assistir a uma palestra do homem trans negro Rafael Carmo, em 2018. “As falas de Rafael sobre transexualidade chamaram minha atenção, e daí surgiu a ideia da pesquisa”, relata Gleidson.
A metodologia usada foi a etnografia — com caminhadas e convivência em locais onde essas vivências urbanas ocorrem. Foram cinco interlocutoras(es), cujas histórias foram construídas a partir de observações e relatos em primeira pessoa. Os dados de campo foram obtidos a partir dessas caminhadas, onde o olhar dos outros, muitas vezes carregado de reprovação ou hostilidade, serviu como termômetro de pertencimento (ou não) desses corpos à cidade.
“O argumento central da tese é que, ao transitarem por Belém em plena luz do dia, as pessoas trans e travestis deparam–se com formas variadas de resistência à sua presença”, explica Gleidson. As interações silenciosas — como olhares e expressões faciais — foram apontadas pelas(os) participantes como uma das formas mais incômodas de exclusão social.
O estudo também traça três objetivos principais: compreender os processos de transição de gênero das pessoas entrevistadas; analisar os conflitos de gênero e raça envolvidos nesses processos; e descrever como elas se inserem nos espaços urbanos de Belém. Um dos relatos mais marcantes é o de uma mulher trans que precisava se vestir com roupas masculinas em casa e só se “permitia” vestir-se como mulher ao sair. Ela foi posteriormente encontrada sem vida em um rio de Belém, durante o andamento da pesquisa.
Além da transfobia, o racismo é outro fator recorrente nas vivências retratadas. A tese mostra que pessoas trans e travestis negras enfrentam uma camada extra de opressão, semelhante à vivida por pessoas cis negras, porém agravada pelo não enquadramento nas normas de gênero da sociedade.
A pesquisa também aponta uma mudança nos espaços de socialização dessas pessoas. Se antes a prostituição era o único ambiente de visibilidade, hoje há maior circulação e interação em locais como a Praça da República, Guamá, Marambaia, Cremação e Centro. A Praça da República, inclusive, é palco da tradicional Festa da Chiquita, uma das manifestações LGBTQIAP+ mais antigas do Brasil.
Para Gleidson, a cidade ainda precisa aprender a enxergar com dignidade e respeito as pessoas que não se encaixam na norma cisgênero e branca. Seu estudo é um convite à escuta, à empatia e à transformação dos olhares que compõem o cotidiano urbano de Belém.
Com informações do Beira do Rio.